quinta-feira, 9 de junho de 2011

O garoto de ontem sempre será mais resistente que o homem de hoje.


No ensino fundamental 1, eu era o tipo do aluno exemplar: fazia de tudo e de tudo fazia, bem. Na quinta e na sexta séries foi um pouco diferente, mas ainda continuava sendo um bom aluno. Dos seis anos de colégio, o que me lembro, claramente, é do verbo CORRER. Eu o dominava em todos os sentidos: no intervalo, correr; ir à escola, correr; voltar da escola, correr. Na minha casa também: no quintal, correr; da sala à cozinha, correr; tomar banho, correr. E na rua mais ainda: brincadeira - óbvio -, correr; buscar pão, comprar cigarro (cigarro para minha mãe), entrar e sair de casa;  tudo tudo tudo era correr. Quando eu corria, eu me sentia livre, minha mente me levava a lugares incomuns. Eu conversava com os vivos; e muito mais com os não vivos, pois eram os únicos que me escutavam. A grande maioria das pessoas não tinha tempo para escutar as minhas viagens. Passava horas e horas batendo um papo com os meus bonecos, que não eram muitos e nem tecnológicos (graças a deus), mas eram verdadeiros. E todos, sem exceção alguma, davam-me atenção.

Chegou a sétima série, meu deus. Já não aguentava mais aquilo. Pela manhã, no caminho da escola, eu e o Mike íamos brincando de chutar entre as pernas um do outro qualquer objeto da rua: latinha, garrafa, até pedras. Contávamos quem daria mais "sainhas" no outro. Era toda alegria, o sol chegando e esquentando aquela manhã. Ah, é claro, eu sempre ganhava (ainda bem que sou eu quem escreve esse texto) haha. Tudo seguia tranquilo até o momento que atravessávamos o portão da escola. A coisa começava a ficar sombria, gelada. Aquele espaço de aprendizagem era o oposto do meu mundo. O meu mundo era o sol, a bola de futebol, os pés descalços sujos e cheios de feridas. O meu mundo era construir batalhas intermináveis com as surpresas do “Kinder Ovo”. O meu mundo era fantasiar que a cada pulo que eu dava da escada na porta das vizinhas à calçada, eu flutuava e caía lentamente. É verdade, eu conseguia pular em câmera lenta. E o meu mundo só perdia forças quando eu atravessava o portão da escola. Cheguei à conclusão, ali estava o meu ponto fraco, deveria de uma vez por todas abandoná-la para que, definitivamente, eu pudesse continuar livre.

Oitava série, abandonei a escola. Dois dias de aula, dois dias de falta. Somando os três anos de Ensino Médio, não se chega a um. Sei que fiquei a desejar no domínio da norma culta, no entanto, foi nesse período que conheci a música (num ouvido, Facção Central; noutro, Chico Buarque), o teatro (da Oficina Luiz Gonzaga - São Miguel - fui a um Sarau na Penha, e até hoje vive na minha mente aquela atriz contando o "Conto de verão Número 2, Bandeira Branca", de Luís Fernando Veríssimo), a política (peguei da casa da minha tia e não devolvi nunca mais o jornal "O socialismo e o Homem Novo"). Enfim, tive contato com aquilo que a escola não queria que eu tivesse: educação, arte e política. E mesmo hoje, no egocentrismo e no consumismo exacerbados, estou-me livre. Pois a consciência oferece isso, às vezes ela é ingrata, mas no fundo é ela quem sempre quis a mim distância daquela escola (quiçá dessa). Sendo assim, agradeço ao garoto de ontem, porque o homem de hoje não é tão confiável.

Sempre estar livre, livre a correr...