domingo, 25 de maio de 2014

Espremendo limão com pedaço do dente quebrado
 
Realmente, a vida é engraçada. Pensar que uma boa parte das complicações surge do modo como nos deparamos diante da vida, é engraçado. Problemas aparecem mais do que desaparecem. E não é culpa dos problemas, mas sim da minha incapacidade de refletir sobre eles, da ânsia pelas soluções imediatas. Não se resolve aquilo que não se compreende. Sair de si, colocando-se na própria frente, encarando-se; olhar, sem espelho, quem sempre esteve a olhar o mundo sem nunca ter se notado a si mesmo...
As coisas ditas ruins - coisa do inimigo - são muito mais comuns de apresso, inconscientemente, em grande maioria, do que as coisas ditas boas (coisa do amigo?). Isso porque há um pequeno deus dentro do ser humano a fazer julgamentos. Esse pequeno deus sempre tem a solução para os outros, ainda que nunca para si mesmo. Ele é de uma prepotência, sem dúvida alguma, divina. Ele prevê o futuro, faz profecias, lança pragas e castigos... Ele insiste em dois pontos: negar a novidade dos fatos que surgem, já que foram previstos, impedindo-nos do direito de vivenciar os pormenores; e aplicar a tudo um castigo, como se o castigo, colheita do alheio, fosse punir ou corrigir.
Resumindo, afastar os deuses pequenos de perto e tornar verdade o que se pretende enquanto verdadeiro. Ou seja, ser o deus grande da própria vida. Isso é espremer limão com pedaço do dente quebrado. Certo?

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014



Sou

Um

Ri

So
Fraco da noite e me escondo
Feito criança que ronca

Pra

Ten____tar

Viver no seio da mãe
Longe do tempo veloz

[...]


Cabe em mim
um copo de noite
uma lua cheia
meio dia escuro
outro meio, claro

Cabe em mim
as putas
os bêbados
os viciados
das ruas de são miguel

Cabe em mim
o teu orgasmo
de uma oitava acima
Cabe em mim
um acorde sonolento
do teu compasso nu

Cabe em mim
um passaredo livre
entre pétalas ao vento
Cabe em mim

Cabe em mim
o universo  sob meus pés
e o chão de estrelas
Cabe em mim

Cabe em mim
Tudo que há fora

Tudo que há em mim
Não cabe em lugar algum

[...]

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Poemia & Boesia


Felicidade

II

Basta saberes que és feliz, e então
Já o serás na verdade muito menos:
Na árvore amarga da meditação,
A sombra é triste e os frutos têm venenos.

Se és feliz e o não sabes, tens na mão
O mais bem entre os mais bem terrenos
E chegaste à suprema aspiração,
Que deslumbra os filósofos serenos.

Felicidade... Sombra que só vejo,
Longe do Pensamento e do Desejo,
Surdinando harmonias e sorrindo.

Nessa tranquilidade distraída,
Que as almas simples sentem pela Vida,
Sem mesmo perceber que estão sentindo...


LEÔNI, Raul de. Trechos escolhidos. Luiz Santa Cruz (org.). Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1961. Coleção Nossos Clássicos, Volume 58.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013


[...]

Aquele garoto ou aquela garota, distraídos em sala de aula, talvez não sejam habitantes desse planeta. Talvez vivam literalmente no mundo da lua. Pela janela ficam olhando o pássaro que fizera um ninho, ou a pipa rodopiando no céu, ou as pessoas que passam pela rua, ou o dono da quitanda sentado à porta que cutuca o nariz... Tudo chama mais a atenção do que a sala de aula. Pode até ser que a sala de aula chame a atenção, mas virá do teto onde uma pequena aranha faz sua teia. A atenção virá do bordado na barra da saia da Aninha, da professora que tem um perfume doce, do rabisco indecifrável na parede lateral... Arrancar aquela lasquinha da cadeira, não foi por maldade. Morder o tubinho de tinta da caneta, sujando mão e boca, não foi uma desculpa para passear pela escola. É tudo tão assim. É tudo tão repentino quanto o vento que derruba a folha do galho mais alto da árvore. [...]

[...]

Quando o dia se debruça sobre a varanda do nosso apartamento, penso de que vale o pronome possessivo “nosso”. Não só esse, mas todos os pronomes e as palavras que determinam posse. Minha namorada, meu carro, nossa religião, teu status social... Essa varanda não manda no dia que se abre, nem tão pouco sou o dono desse sorriso que traz consigo. Não me sinto bem comigo ao saber que as pessoas, os objetos, as coisas desse e de qualquer outro mundo não são livres. É claro que o apartamento não sairá andando a torto. Não descerá a rua em direção ao farol da avenida. Foi apenas um motivo para pensar. Essa varanda não é minha, não me sinto dono também da flor no vaso. Nem do vaso, nem da terra, muito menos dessa porta de correr que apertei o parafuso na semana passada. No entanto, eu não aceito que qualquer pessoa fale da nossa vida, do nosso apartamento, e que não ousem falar mal da nossa varanda. A porta de correr travou novamente, eu não apertei muito bem o parafuso. Não importa, é nossa porta de correr na nossa varanda onde o dia se debruça. Onde sempre se debruçará...
[...]

É 2013...

Só não se esqueça de que depois de me desejar toda a felicidade do mundo e de dizer que tenho tudo para conquistar “aquilo” que desejo. Depois de apertar minha mão com força e me dar aquele abraço solidário e carinhoso. Depois de olhar em meus olhos e banhar os seus com lágrimas. Depois de dizer que o tempo passa e que esse ano será melhor. Só não se esqueça de que posso querer desistir “daquilo” que desejei, e que a felicidade do mundo não serve para mim, que posso jogar tudo para o ar e resolver colher flores...
Só não se esqueça de que depois de dizer que nossa família será sempre unida. Depois de dizer que os laços desse momento serão eternos, que não há outra família mais feliz que a nossa. Depois do jantar maravilhoso, da mesa farta, das lembranças do passado... Só não se esqueça de que talvez venhamos a cometer falhas, pois não somos perfeitos. Que por um momento de vaidade eu possa falar de ti de modo indelicado, e assim venhamos a brigar e ficar alguns dias, talvez até meses, sem nos falar, mas não há problema, ano que vem nos abraçaremos...
Só não se esqueça de que depois de dizer que seremos amigos para sempre, que serei o padrinho de seu filho e você do meu. Depois de virar aquele copo cheio em nossa homenagem. Depois de chorar, e eu também, com aquele abraço. Só não se esqueça de que os dias passam e talvez fiquemos sem nos ver. Talvez a correria do trabalho, o cansaço do transporte público e as crianças que crescem nos diminuirão o tempo, mas nada além do limite. Basta só ter vontade que nos veremos sempre mais vezes. Talvez mais duas vezes ao ano.
Só não se esqueça de que depois desse amasso na cozinha, desse beijo mordido que lhe roubei às escondidas na sala de visita, como se precisasse. Depois de me dizer que sou o único homem que a fez mulher. Depois de brindar, desejando nosso casamento, e já vendo as crianças correndo a barra da sua saia. Depois de cobrir meus olhos com os seus e por um minuto cegar-me. Só não se esqueça de que por acaso algum dia, ou dias, eu venha me atrasar ao fim da tarde. Entrarei pela sala um pouco embriagado, mas não deixarei de fazer em ti aquela massagem nos pés, e largarei o sapato sobre o tapete. Talvez briguemos porque você dará ouvido - e eu também, por que não? - a alguém que disse que escutou de outra pessoa que ouviu de outra que me viu apertando a mão de uma mulher qualquer...
Mas tudo bem... Isso é futuro. O que importa é o agora! Mas só não se esqueça de que...